Bem longe, noutra era.
Tive meus sonhos
Onde ainda me ponho:
Sonhei forte
Voando do Sul pro Norte,
Cavalguei pássaros em tropel
Como o Pequeno Príncipe pelo céu.
Sobrevoei toda a floresta
Onde a natureza se manifesta,
Não me importando se era longe ou perto;
Importava que o lugar não fosse deserto.
E não parei de voar,
E não parei de sonhar...
Virei trovão e corisco,
Virei Pajé e Tupã
Dos curumins e cunhantãs.
Virei São Francisco
Pra ser irmão da Lua e do Sol,
Pra salvar os peixes do anzol,
Pra conversar com os animais-animais,
Já que não me ouviam os homens-animais.
Então, não parei de voar,
E não parei de sonhar...
Virei chuva no estio
Pra aumentar a caudal do rio,
Pra dar de beber aos bichos e matas,
Pra apagar o fogo das queimadas.
Olha! Eu fiz o diabo.
Fiz de uma vassoura no cabo
Um aspirador de fumaça,
Que purifica o ar por onde passa.
Fiz de uma bomba de bicicleta
Girando as penas da peteca,
Uma máquina de garimpo
Onde o ouro e a água saem limpos, limpos.
E, viajando pelo mundo,
Me fiz vaga-lume e vagabundo,
Na fantasia de sonhar,
Na teimosia de inventar.
Um dia, num belo dia,
Nessa minha mania,
Peguei o livro "Meu Tesouro",
Bem bonito, cor de ouro,
Com o mapa do Brasil na capa,
Onde de cada Estado tinha um mapa.
Nesse dia, o mapa era o do Pará.
E tinha os versos mais bonitos do bê-a-bá:
"Quem vai ao Pará parou,
Bebeu açaí ficou".
Aí, danei a sonhar de contente
E queria ver o guaraná em semente
Ouvir o grito do sapo-intanha,
Sentir o gosto doce da castanha.
E feito louco eu saí
Pra beber a poção mágica do açaí.
Na imensidão do meu quintal pequenino,
Bati asas no meu sonho de menino
E voei até o Estado do Pará,
E não queria mais sair de lá.
Com palitos de fósforo, construí pontes,
E naveguei os rios da foz à fonte.
Cavalguei o boto e a sucuri,
Levei corrida de saci,
Me encantei com o canto da uiara,
Com coisa que nunca sonhara.
Naveguei o Amazonas imenso,
Que nem cabe onde penso.
Naveguei o Tapajós de águas claras,
Verdes, puras, águas raras.
Andei por todas as praias,
Fiz serenatas e piracaias,
Vi a piracema do jaraqui
No Lago de Mapiri.
Fui a zona do garimpo,
Tudo verde, tudo limpo!
A bordo das voadeiras,
Eu subi as corredeiras
Do Alto Tapajós e afluentes,
Cheguei à verdadeira nascente.
Atravessei a Cachoeira da Perdição,
Subi a Cachoeira da Ilusão,
Naveguei na Cachoeira Labirinto
E me banhei no Rio Cristalino.
Descobri a Serra do Cachimbo:
O olho d'água mais límpido,
Como o olho d'água da esperança
Que nasce nos olhos das crianças.
Por tudo isso me aventurei,
Menino-pirata, menino-rei,
Num barquinha de papel,
Navegando o rio como se navegasse o céu.
Na Serra Encantada, me encantei,
E da água cristalina me embriaguei.
Aí, o tempo de menino passou
E o sonho desse tempo...voou...
E a magia do sonho foi tanta
Que o olho d'água que me encanta,
Transformou-se em olho de tufão
E transportou-me, gente grande, pra esse chão.
Vim ao Pará, parei,
Bebi açaí, fiquei.
E agora! Cadê a fauna e a flora ?
Cadê a água verde do rio ? E agora ?
O lugar é o mesmo do meu sonho,
Mas não é mais igual ao do meu sonho.
Será que antigamente sonhei errado ?
E pra não ficar magoado,
Eu lavo as minhas mágoas
No doce encontro das águas.
E, de novo, me faço menino,
E, abraçado ao destino,
Me ponho a cismar no cais,
E, em sonho, eu sonho mais:
Sonho que toda gente ainda é criança
E pode fazer da vida esperança.
E , então, quem me dera !
Refazer aqui tudo como era...
E a meninada em mutirão,
Com tintas e pincéis na mão,
Pinta de verde, da fonte até a foz,
As águas imensas do Tapajós.